quinta-feira, 11 de setembro de 2014

António Costa em entrevista no 'Correio da Manhã'

António Costa, autor de A mulher que queria ser velha, entrevistado por Ana Maria Ribeiro para o Correio da Manhã.
História de um futuro sem sexo
António Costa lança romance futurista
Por Ana Maria Ribeiro
Correio da Manhã – Não arranjou um pseudónimo artístico, já que partilha o nome com um político famoso em Portugal?
António Costa – Nunca foi importante para mim. Acho que a utilização de um pseudónimo revela pretensiosismo e assenta na ideia de que o artista possui uma natureza superior à dos humanos comuns. Noutros casos talvez o autor queira ter uma certa ilusão de liberdade e de autonomia ao abdicar do nome que lhe deram e pelo qual sempre foi conhecido…
Mas neste caso, o leitor poderá pensar que se trata de um romance do Presidente da Câmara e candidato à liderança do PS…
– Confesso que em relação ao último livro tive essa dúvida, mas a minha editora, a Marita Ferreira, aconselhou-me a não mudar e eu aceitei. No entanto, se em próximos livros me decidir por um pseudónimo, posso já adiantar que será Francisco da Zen. Uma colega de trabalho chamou-me Francisco quando me conheceu e eu nunca a corrigi. Como o nome dela era Zenilde…
Ao ler a sua biografia, constatamos que ao contrário da impressão que dá neste livro, não é um "cromo" da ciência. E no entanto escreveu uma distopia sobre um mundo do futuro, totalmente dominado pela tecnologia.
– Essa é uma impressão comum com que ficam as pessoas que têm lido o meu livro. Não, sempre fui um autodidata. Como estudante, não valia grande coisa, não gastava muito esforço com as matérias escolares, era preguiçoso e desatento. Mas sempre me interessei por qualquer área do saber que possa contribuir para a minha relação de entendimento com o mundo. E não creio que existam falhas significativas na fundamentação das ideias do livro. O que não significa que o futuro tenha de ser assim. É apenas um exercício de imaginação e criatividade sobre as possibilidades de evolução da sociedade humana.
Mas é uma visão aterradora… Aceita que este livro é uma distopia? Uma utopia negativa?
– As visões sobre o futuro são assustadoras para aqueles que idolatram o presente, para os que vivem da nostalgia do passado ou para os que esperam coisas específicas dos tempos vindouros. Não aceito que o livro seja uma distopia e esteja carregado de pessimismo. É verdade que situa a ação num tempo posterior a grandes catástrofes naturais, mas estas são incontornáveis, sempre ocorreram e continuarão a acontecer.
Este é um futuro dominado por máquinas, sem sol ou mar, sem comida e sem sexo.
– Sim, mas nesse futuro imaginado por mim não existe maior índice de sofrimento e de miséria do que na atualidade. Isso, aliás, seria muito difícil. A tecnologia é avançada mas não se trata de maquinaria no sentido clássico do termo. Não falamos de mecanismos mas de sistemas biológicos, de ferramentas orgânicas orientadas para o benefício humano. O sol, embora não incida diretamente na cidade, é projetado e produz o mesmo efeito de forma mais controlada. Os prazeres da comida e do sexo continuam a residir onde sempre residiram: no cérebro. No fundo, talvez o tema mais importante do livro seja a perceção.
Em que estado de espírito escreveu este livro? De raiva?
– Raiva não, mas assaltou-me, muitas vezes, alguma apreensão pelo nosso futuro coletivo. O Homem tornou-se tão dependente da tecnologia que se a perder, não sobreviverá. E a partir deste nível a tecnologia torna-se um monstro faminto cujo crescimento ocorre numa aceleração contínua. Uma civilização nesta fase esgota rapidamente os recursos do seu planeta e tem de procurar novos recursos para não se extinguir. Estamos confrontados com sérios riscos que decorrem da nossa conduta social e tecnológica. A ambição desmedida desta última fase do capitalismo, a irresponsabilidade social dos diversos poderes instituídos por esse mundo fora, a insensibilidade perante o sofrimento e a miséria dos outros e o egoísmo do presente são maus indicadores que favorecem o pessimismo.

Pretendia que a obra fosse um alerta para todos aqueles que estragam o meio ambiente sem pensar nas consequências sobre o planeta?
– Sim, porque penso que o percurso da civilização depende muito de um sistema complexo de vontades individuais, no qual irrompem, a todo o momento, forças contraditórias. Cada uma dessas vontades é importante e pode mesmo fazer a diferença no jogo das forças globais. Cada um de nós deve lutar por aquilo que deseja e tem de comprometer-se ativamente na defesa do futuro que lhe interessa. Se não abandonarmos esta voragem suicida que parece ter tomado posse da nossa relação com o planeta, o futuro como o que eu descrevo nesta obra é o melhor dos cenários. Isaac Newton previu que a data o fim do mundo será em 2060. Se aquela cabeça iluminista tiver razão, posso dizer que sou, seguramente, mais otimista do que ele.

Estudou muito (recorrendo a literatura científica) para elaborar uma história que tem o seu quê de complexo?
– Sim, concentrei-me na procura de informações muito recentes e diversificadas sobre a realidade. Mas não foi uma tarefa muito difícil porque, desde miúdo, sigo com atenção o avanço do conhecimento sobre estes temas. É preciso dizer, no entanto, que o mais importante é a imaginação e não as informações. No livro procurei fugir aos temas mais frequentes neste tipo de literatura: não existem aliens; nem guerras; nem luta dos homens contra as máquinas… É uma história que privilegia o desenvolvimento dos sistemas percetivos, tanto biológicos como artificiais, em função da estética, da política e da economia.
Como encontrou um final tão interessante – porque totalmente inesperado – para esta história? Foi uma inspiração?
– Quando comecei a escrever o livro projetava um final diferente. Às vezes a obra parece ganhar vida própria à medida que avança e sai dos limites do plano original. Foi o que aconteceu aqui. Eu sabia, à partida, que era necessário existir uma razão muito forte para uma mulher ser velha. A mulher que me criou foi a minha avó, Aurora, e já era velha quando nasci, tinha mais de setenta anos. Foi a mulher mais extraordinária com que me relacionei e todo o meu imaginário cresceu a partir dela. Por isso, quando era miúdo achava que todas as mulheres queriam ser velhas, para serem como ela.
Mas afinal, há uma reviravolta…
– Com o tempo percebi que as coisas não se passam dessa forma, ninguém quer envelhecer, somos todos Faustos em potência. Num futuro tão diferente da atualidade e, em simultâneo, tão semelhante, o equívoco tinha de constituir parte da solução. As coisas nunca são o que parecem e os próprios leitores têm de ser estimulados a perceber isto, porque está também aqui uma das ferramentas para transformar o mundo.
PERFIL
António Costa nasceu em 6 de agosto de 1956, em Barcelos. Licenciou-se em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi professor, formador em tecnologias da informação e da comunicação, escreveu em jornais. ‘A Mulher que queria ser Velha’ é o seu terceiro livro publicado.